O jornalismo (e suas teorias) no mundo contemporâneo*

Por Ana Carolina Oliveira Pinheiro**

O imaginário que cerca o jornalismo é bastante vasto. Inúmeros filmes, livros, séries etc. estão aí para provar que a profissão é pauta recorrente no imaginário coletivo. Paralelamente à ficção, o ser jornalista vem sendo também objeto de pesquisa de inúmeras teorias, bem como o seu fazer jornalístico.

Ao longo dos anos, a história do jornalismo e a identidade profissional dos jornalistas sofreram grandes modificações devido às inovações tecnológicas e às várias mudanças econômicas, políticas, culturais e sociais que surgiram com o mundo contemporâneo. Segundo Traquina, em seu livro Teorias do jornalismo: porque as notícias são como são (2005), no final do século XIX, a definição do polo comercial e do polo ideológico como os dois polos dominantes no campo jornalístico moderno é um dos marcos dessa transição.

A consolidação da imprensa como empresa capitalista fez com que as notícias passassem a ser sinônimo de informação, terem status de mercadoria e se transformassem em um produto extremamente lucrativo. Essa mudança no modo como a notícia era vista resulta na consolidação do que Traquina chama de polo comercial. Para as teorias do jornalismo, é a partir desse momento – onde a notícia passa a ser mercadoria – que surge a necessidade de serem separados os fatos das opiniões, resultando na criação de critérios que garantiriam a neutralidade da imprensa. É desse olhar que surgem a Teoria do Espelho e o conceito de objetividade jornalística.

Segundo a Teoria do Espelho, como o nome já diz, o jornalismo cumpriria o papel de espelho do real, refletindo fielmente os acontecimentos do cotidiano. Nessa perspectiva, o papel do jornalista é o de observador, um agente desinteressado que busca apenas cumprir a sua missão de informar, defendendo a verdade e relatando com honestidade o observado. Uma das estratégias que alicerçam essa teoria é o conceito da objetividade. Ao contrário de como é comumente difundida hoje, como sendo a negação da subjetividade do jornalista, o ideal da objetividade surge do reconhecimento de que os fatos são subjetivos, que a linguagem não é neutra e que o jornalista é um indivíduo com crenças, opiniões, preconceitos e outras idiossincrasias. Nesse sentido, a objetividade seria uma metodologia aplicada para tentar garantir ao máximo que as notícias não fossem “contaminadas” pelo sujeito jornalista.

Ainda muito recorrente no jornalismo contemporâneo, a Teoria do Espelho é defendida pelos jornalistas pois, ao tornar o ato de comunicar um saber científico, limitado por procedimentos metodológicos, dota os profissionais da comunidade jornalística de credibilidade e legitimidade.     Apesar disso, os estudiosos da comunicação a consideram uma teoria bastante limitada.

Em contraponto a ideia de que a mídia apenas refletiria os fatos como eles são, apresentada na Teoria do Espelho, a Teoria da Construção Social da Realidade defende que não existe uma realidade absoluta, mas sim que a realidade seria construída na intersubjetividade das relações de comunicação. Os indivíduos que compartilham um mesmo espaço-tempo são dotados da capacidade de formar um sentido coletivo para os valores, práticas e ações sociais através do compartilhamento mútuo de significados que ocorre nas relações de comunicação.

Outra grande mudança promovida pela consolidação da imprensa como empresa capitalista foi a crescente inclusão de notícias do dia-a-dia nas páginas dos jornais. Essa mudança fez com que o jornal se tornasse um produto de consumo imediato, onde figuravam os principais acontecimentos do dia e as informações necessárias para que os cidadãos fossem capazes de exercer os seus direitos democráticos. Na Teoria Democrática, o jornalismo desempenha o papel fundamental de servir de elo entre a população e o governo. O jornalismo é entendido como um serviço público, que dá voz a diferentes opiniões da sociedade e permite que os indivíduos estejam equipados com ferramentas que garantam o pleno exercício de seus direitos democráticos. Essa concepção de jornalismo como serviço público é o que Traquina chama de polo ideológico, e caracteriza o segundo polo dominante do campo jornalístico moderno.

Segundo Martino, em seu livro Teoria da comunicação: ideias, conceitos e métodos (2014), durante uma greve de jornais em Nova York, em 1949, o pesquisador Berelson foi às ruas para questionar a população do que mais tinham sentido falta da leitura dos jornais durante a greve. Entre os fatores mais citados pelo público estavam: a falta de informação e interpretação do que acontecia na esfera pública; a falta de acesso a informações relativas ao dia-a-dia, como o placar de um jogo, uma peça em cartaz ou a reforma de uma rua; o prestígio social que estar sempre bem informado carrega; a gama de assuntos gerais e comuns que podem ser usados como forma de interação social.

Essa pesquisa faz parte da Teoria de Usos e Gratificações, que defende que a audiência é um elemento ativo no processo de comunicação e que é motivada a consumir determinadas mídias de acordo com a satisfação parcial de suas necessidades. Ao perguntar para a população do que elas mais sentiam falta da leitura dos jornais, Berelson buscava obter como resposta quais necessidades os indivíduos buscavam ser preenchidas através da leitura dos jornais.

Mas, além disso, a pesquisa de Berelson também demonstra que os indivíduos buscam os jornais como forma de se inteirar sobre os assuntos do dia-a-dia e sobre o que acontece na esfera pública, como defende a teoria democrática. Além disso, essa pesquisa também pode ser olhada à luz de outra teoria do jornalismo contemporâneo: a teoria do agendamento.

Segundo a Teoria do Agendamento, a mídia seria capaz de influenciar a nossa percepção sobre quais seriam os assuntos diários mais importantes. Em outras palavras, essa teoria defende que a agenda da mídia acaba se tornando, em boa parte, a agenda do público. Ao afirmar que sentiam falta da gama de assuntos que poderiam ser usados como forma de interação social, os leitores afirmavam também que sentiam falta de serem agendados pela mídia.

Para a Teoria do Agendamento, a mídia deixa pistas, saliências, sobre a importância dos tópicos. Em um jornal, por exemplo, a publicação de uma notícia e a recorrência de matérias sobre o seu desdobramento demonstram para o público a importância daquele tema. Os indivíduos captam essas saliências e as usam para hierarquizar os tópicos na suas próprias agendas. Com o tempo, essa confluência de agendas individuais acaba se transformando na opinião pública.

Além dessas teorias aqui citadas, o fazer jornalístico e o papel do jornalista são tema de diversas outras pesquisas. Segundo Traquina (2005), nos últimos 150 anos, poucas profissões conseguiram manter uma cultura tão vasta e rica em valores como o jornalismo, tanto no imaginário popular como em sua própria comunidade. A figura do jornalista vem se modificando de acordo com cada novo avanço social, tecnológico, ou teórico. Nos últimos anos, já na era do jornalismo online, onde todo mundo tem acesso quase imediato às informações, o papel do jornalista volta a ser alvo de questionamentos. Seria o fim do jornalismo, ou o jornalismo estaria apenas passando por uma mudança de função social?

Apesar dessas questões e da luta ainda constante desses profissionais para ser reconhecidos, a profissão segue sendo desejada entre os estudantes e novos cursos de jornalismo vem sendo criados no país. E a afirmação “eu vi/li no jornal” segue sendo sinônimo de credibilidade da informação.

Referências Bibliográficas

BARSOTTI, Adriana. Jornalista em mutação: do cão de guarda ao mobilizador de audiência. Florianópolis: Insular, 2014.

MARTINO, Luís Mauro Sá. Teoria da comunicação: ideias, conceitos e métodos. 5.ed. Petrópolis: Vozes, 2014.

McCOMBS, Maxwell. A teoria da agenda: a mídia e a opinião pública. Petrópolis: Vozes, 2009.

PENA, Felipe. Teoria do Jornalismo. São Paulo: Contexto, 2013.

TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo: porque as notícias são como são. Florianópolis: Insular, 2005.

*Texto produzido na disciplina de Teorias do Jornalismo em 2016/1

** Aluna do primeiro semestre do curso de Jornalismo do campus Zona Sul do Centro Universitário Ritter dos Reis em Porto Alegre (RS)

 

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